AUTORES
Artur Filipe Azevedo Sá, USF Uma Ponte para a Saúde, ACES Santo Tirso/Trofa; ARS Norte
Joana Catarina Morujão Canossa Dias, USF Egas Moniz, ACES Feira-Arouca; ARS Norte
Óscar Manuel Gamelas Norelho, Complexo Social da Moita da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro
Resumo
Os sistemas de informação em enfermagem (SIE) são atualmente um instrumento fundamental no apoio à tomada de decisão dos enfermeiros, permitindo uma melhor continuidade, acessibilidade e qualidade da informação sobre os cuidados prestados, mas também uma ferramenta essencial para a gestão eficiente dos serviços de saúde.
Conscientes desta realidade e da relevância dos SIE para o cuidar em enfermagem, os autores propõem-se fazer uma análise crítica sobre o tema, realçando as suas potencialidades e desafios, fundamentando a sua opinião no conhecimento científico atual sobre o mesmo. A metodologia utilizada para a elaboração do presente artigo foi a análise e reflexão crítica dos autores relativamente à sua experiência profissional com os SIE e a pesquisa bibliográfica.
Descritores: Sistemas de informação; cuidados de enfermagem;
Abstract
The nursing information systems (NIS) are nowadays an essential tool in supporting the nurses` decision-making, allowing a better continuity, accessibility and quality of information on the care provided, but also an essential tool for the efficient management of health services.
Aware of this reality and relevance of the NIS for the nursing care, the authors propose themselves to make a critical analysis of the subject, highlighting its potentials and challenges, supporting their opinion on the current scientific knowledge about it. The methodology used for this article was the analysis and critical reflection of the authors regarding their experience with the SIE and literature.
Keywords: Information Systems; Nursing Care;
INTRODUÇÃO
Os benefícios que a introdução de sistemas de informação na área da saúde trouxe à prestação de cuidados são reconhecidos por todos os intervenientes desde os profissionais, aos clientes passando pelos órgãos gestores destas instituições.
Na área da enfermagem, estes sistemas têm sido alvo de diversos estudos, no sentido de dar resposta aos novos desafios que o seu desenvolvimento levanta, com o objetivo de melhor apoiar estes profissionais ao longo da sua prática e dar maior visibilidade ao cuidar em enfermagem.
Apesar das oportunidades geradas pela introdução e desenvolvimento dos sistemas de informação na área da saúde, a sua rápida e constante expansão no nosso país, levou a uma grande diversidade relacionada com a multiplicidade desses mesmos sistemas, com as consequentes dificuldades de interoperabilidade entre eles. No presente estudo os autores focaram-se essencialmente, na partilha de informação entre diferentes instituições/ sistemas de informação em saúde, visto ser uma problemática com que se deparam na sua prática profissional diária. Conscientes da importância que essa partilha em tempo útil tem para o cliente, para os profissionais e para as próprias instituições de saúde, os autores consideraram pertinente focar este estudo nesta vertente dos sistemas de informação.
Nos últimos anos, as tecnologias de informação tiveram um rápido crescimento, impondo-se como fundamentais em diferentes áreas de atividade, levando a grandes mudanças na gestão e cultura das organizações.
Tal como noutro tipo de organizações, também na área da saúde se assistiu a um rápido desenvolvimento dos sistemas de informação, no sentido de tornar as organizações mais eficientes e melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Relativamente à enfermagem, a preocupação com a documentação e registo dos cuidados de forma a garantir a continuidade e melhoria dos mesmos, remonta ao tempo de Florence Nightingale. O desenvolvimento da tecnologia da informação aliado a uma preocupação crescente dos enfermeiros em dar visibilidade ao seu trabalho e ao seu contributo para a saúde da sociedade, veio contribuir para o rápido desenvolvimento de sistemas de informação em enfermagem, nas últimas décadas.
A prática diz-nos que os profissionais de enfermagem foram dos primeiros a informatizar os seus registos, sendo dos profissionais da área da saúde aqueles que mais se preocupam com os registos. No entanto, continua a ser difícil demonstrar o impacto dos cuidados de enfermagem nos ganhos em saúde da nossa população.
É fundamental que, nos sistemas de informação em saúde sejam integrados os dados relativos aos cuidados de enfermagem uma vez que, os cidadãos necessitam de ser acompanhados ao longo de todo o ciclo vital, em diferentes contextos da prestação de cuidados ou em diferentes locais. Por esse motivo, a Ordem dos Enfermeiros em conjunto com o Conselho Internacional de Enfermeiros, sentiu necessidade de definir um conjunto mínimo de normas para o desenvolvimento dos sistemas de informação em enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2007).
Segundo Silva (2006), os profissionais de enfermagem sentem necessidade e a obrigação legal de documentar os seus cuidados devido a cinco motivos principais: promover a continuidade de cuidados, produzir documentação de cuidados, possibilitar a avaliação dos cuidados, facilitar a investigação sobre os cuidados e otimizar a gestão dos mesmos. Assim, os profissionais de enfermagem foram, progressivamente tomando consciência da relevância da informação, como um recurso indispensável para a prestação de cuidados de enfermagem de qualidade.
Os sistemas de informação em enfermagem (SIE) evoluíram de estruturas em papel para a informatização, permitindo a construção de um novo modelo de dados para o SIE, a nível da sua estrutura e conteúdo: a informação passou a estar disponibilizada sem dificuldades, os dados deixaram de estar apenas centrados nas tarefas desenvolvidas pelos enfermeiros e no relato dos acontecimentos e procedeu-se à inclusão da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE). Desta forma, passou a haver articulação entre a linguagem natural e classificada e foram incorporados enunciados diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem, melhorando-se a qualidade da documentação de enfermagem (Sousa, 2012).
Como profissionais que viveram na prática a introdução e evolução dos SIE, os autores não têm dúvidas em reconhecer as vantagens destes sistemas para a sua prática atual. No entanto, a passagem dos registos em papel para o computador, a duplicação inicial de registos e a mudança no “estilo” de registos não foi muito bem recebida por muitos profissionais. Os registos que eram anteriormente muito direcionados para as atividades realizadas e sem grande reflexão por parte do enfermeiro sobre a sua prática, após a introdução da CIPE e com o levantamento de diagnósticos de enfermagem, realização de intervenções e de resultados de diagnósticos, forçaram os enfermeiros a mudarem o seu modo de pensamento e a refletirem sobre as suas práticas. Tal facto deveu-se, na nossa opinião, à falta de formação dos profissionais sobre a CIPE, uma vez que muitos dos enfermeiros tinham tido pouca ou nenhuma formação sobre a CIPE durante o seu curso de formação inicial. Na introdução destas mudanças seria importante que os profissionais fossem informados e sensibilizados atempadamente, a fim de melhor se preparem para a mudança, ao invés de serem confrontados sem preparação prévia, com ferramentas importantes para o seu trabalho, mas para as quais não conseguem ainda ver a utilidade.
Silva (2006) defende também esta ideia, dizendo que, para o sucesso de novos sistemas de informação para enfermeiros é importante que as pessoas implicadas na mudança, ou seja, os próprios profissionais tenham um papel ativo. Caso contrário, corre-se o risco de, em vez de motivados para a mudança, os enfermeiros serem os primeiros a oporem-se à mesma. O mesmo autor defende também que na implementação de novos sistemas de trabalho, é fundamental a análise e discussão do cuidar em enfermagem pelos profissionais do serviço/instituição, o que nem sempre é feito. Afirma ainda que a documentação dos cuidados de enfermagem é um ótimo instrumento de reflexão sobre a sua prática, para as equipas de enfermagem.
Apesar das dificuldades inicias, hoje ninguém tem dúvidas sobre a utilidade destes sistemas para a nossa prática diária, sendo até difícil imaginarmos trabalhar sem este suporte de informação. No entanto, os próprios profissionais reconhecem que apesar das oportunidades que os SIE trouxeram, estes têm ainda algumas lacunas, que devem ser objeto de estudos futuros, no sentido de serem melhorados.
Pereira (2009) vem reforçar a ideia de que há atualmente uma maior sensibilização e consciencialização dos profissionais para a importância de melhorar os sistemas de informação no sentido de promover uma comunicação mais eficaz e melhorar a continuidade de cuidados, a gestão, investigação e formação.
O desenvolvimento destes sistemas criam novas oportunidades para os seus utilizadores mas ao mesmo tempo colocam-se novos desafios para todos os que estão envolvidos no desenho, implementação e reformulação dos Sistemas de Informação de Enfermagem (SIE) em uso nas instituições de saúde.
A partilha de informação surge como um novo desafio, para os sistemas de informação em enfermagem, ao longo da história. Apesar de atualmente, já podermos constatar alguns avanços nesta matéria, importa salientar os aspetos básicos que estão na sua génese. Ao abordamos questões como partilha de informação, é necessário ter em consideração conceitos básicos como “dado” e “informação” (Sousa, 2005). O dado não contém intrinsecamente um componente semântico, mas sim elementos sintáticos (Davenport,1998 cit. por Sousa, 2005. p.72). Por esse motivo, há a necessidade de enquadrá-los num determinado contexto, para se poder retirar uma informação. Assim, torna-se importante que o contexto interpretativo seja o mesmo, de modo a permitir a compreensão da informação partilhada (Sousa, 2005). Não podemos ter um sistema de informação que permite a classificação nominativa diferente para o mesmo ato de cuidar, dando origem a múltiplas terminologias para ações iguais. Esta situação leva ao aumento da informação do cliente e impossibilita a comparação dos mesmos cuidados e a sua repercussão evolutiva no cliente. Não sendo possível a avaliação dos cuidados prestados, tanto a nível individual, como organizacional, torna-se apenas uma ferramenta eletrónica de armazenamento de dados.
Isto porque, não basta gerar e disponibilizar informação. Tão necessária é a informação gerada por estes sistemas como a sua eficaz gestão, caso contrário, teremos uma imensidão de dados desorganizados e sem sentido, que não permitem aos profissionais retirar a informação necessária para a sua prática. É por isso importante, facilitar a partilha e o uso da informação gerada pelos enfermeiros para que, seja compreendida quer pelos sistemas em uso, quer pelos utilizadores, nos diferentes contextos (Sousa, 2012).
Tal como anteriormente foi mencionado, a CIPE veio trazer um importante contributo para a transposição deste obstáculo, na medida em que a sua utilização foi integrada em todo o Sistema Nacional de Saúde (SNS).Por outro lado, a partilha de informação é importante, não só dentro da mesma categoria profissional, mas também entre os diferentes grupos profissionais e, ainda, entre diferentes instituições prestadoras de cuidados. Já Sousa (2005, p.72), afirmava que “quanto mais os utilizadores partilharem conhecimentos e experiências, maior será a eficiência da comunicação do conhecimento por canais de mediação digital”. Reforce-se o facto de que, um dos principais objetivos dos sistemas de informação em saúde é a promoção da continuidade dos cuidados. Este objetivo implica que, no desenho dos Sistemas de Informação, se garantam os requisitos (estruturais e de conteúdo) centrados em informação relevante para a coordenação entre os diferentes profissionais envolvidos na assistência ao cliente (Mota, Pereira e Sousa, 2014). Segundo os mesmos autores, nos processos de avaliação da qualidade dos serviços de saúde, a continuidade dos cuidados é um dos aspetos permanentemente presentes o que vem demonstrar a importância que esta dimensão da assistência tem em toda a dinâmica dos cuidados. Os registos de informação relacionados com o ciclo vital da saúde do cliente deveriam poder ser acedidos em qualquer instituição de saúde a nível nacional, através de um sistema onde os registos de estudos analíticos, resultados de exames complementares de diagnósticos, cuidados de enfermagem, ou notas de diferentes especialidades médicas, nutrição e psicologia estivessem presentes e fossem possíveis de ser acedidos em tempo real. Contudo isto levanta um serie de questões éticas, que deveriam ser pronunciadas pelo conselho de ética nacional. Assim, apesar de a informação dos clientes dever estar centrada num sistema único, a informação não tem, nem deve estar acessível a todos na sua totalidade. A informação deve ser “filtrada” de acordo com as necessidades de cada categoria profissional para a sua prática, devendo cada classe ter acesso, de forma rápida, apenas à informação que lhe permita a prestação de mais e melhores cuidados de saúde. Atendendo a que a continuidade dos cuidados, só poderá ser assegurada pela partilha de informação, interessa pois que esta seja realizada de forma contínua e em tempo real, dado que a informação que é relevante num determinado momento, pode deixar de o ser depois (Sousa, Frade e Mendonça, 2005). Desta forma, diferentes instituições, que se complementam em termos de cuidados (como por exemplo: Hospital e Cuidados de Saúde Primários), poderiam aceder à informação mesmo durante um episódio ativo, o que permitia o contínuo acompanhar da evolução do estado de saúde dos clientes. Segundo Sousa (2005, p.351) “a informação, o seu valor e qualidade, têm uma relação intrínseca com o timing ou com a oportunidade a que a ela se acede”. Interessa assim, a capacidade de a usar de forma útil, o que requer não apenas competências técnicas e tecnológicas, mas uma concreta definição da informação pertinente e dos seus propósitos. Os benefícios da partilha de informação, não se restringem apenas à continuidade de cuidados. Segundo Martins (2013), esta traz mais-valias a nível da segurança do cliente, no apoio à boa prática clínica e na redução de custos por maximização de recursos de informação e conhecimento (cit. Sousa e Reis, 2014). No processo de um cliente existe muita informação, que deve ser usada quando o cliente necessitar, tais como: a história clinica, avaliação inicial, alergias, exames complementares, diagnósticos, focos de atenção,… podendo em qualquer lugar o profissional de saúde ao consultar este mesmo processo, direcionar os seus cuidados de uma forma mais precisa, sem estar a despender de recursos para obter uma informação de que necessita, ou ser alertado para uma situação que desconhecia à partida.
Aspetos como a partilha de informação, entre as diversas instituições do SNS e entre essas e o próprio beneficiário dos cuidados de saúde, motivaram a criação, por parte dos organismos governamentais, de uma plataforma de dados, que gerisse toda esta informação, assegurando, ao mesmo tempo, a proteção de dados de saúde necessária.
A Plataforma de Dados em Saúde (PDS), sendo um sistema de partilha de dados, pretendeu dar resposta a esta necessidade, na medida em que permitiu o acesso à informação a diferentes agentes da prestação de cuidados, independentemente do local, da origem e da prestação.
Esta plataforma além de ter aproximado os diferentes intervenientes do sistema disponibilizou uma rede de referência comum que induz um progresso mais rápido e bem-sucedido na prestação de cuidados de saúde (Sousa, et al., 2005).
Porém, ao ser confrontada com as várias “ilhas de informação” presentes na maioria das instituições prestadoras de cuidados de saúde, que segundo Sousa (2005, p.52) se encontram definidas como sendo “diversas fontes de dados, residentes em plataformas díspares e isoladas, utilizando tecnologias de implementação e armazenamento distintas, que obrigam a um esforço suplementar para alcançar uma agregação satisfatória da informação útil à comunidade prestadora de serviços de saúde”, surgiu um grande desafio tecnológico no seu desenvolvimento que se prendeu com as questões relacionadas com a interoperabilidade dos sistemas de informação em saúde.
A interoperabilidade, ou seja, a importação de dados de um sistema para o outro, permitindo aceder à informação de um cliente em diferentes serviços ou contextos de saúde é uma recurso fundamental não só para os profissionais mas acima de tudo, para os clientes. Para os profissionais pois a comunicação entre diferentes instituições de saúde é facilitada, permitindo um melhor e mais rápido acesso a resultados de exames ou a relatórios das diferentes consultas de especialidades, cartas de alta, relatórios de consultas de urgências, entre outros, estando deste modo mais atualizados sobre o estado de saúde do cliente. Isso implica que não seja necessário, por vezes repetir procedimentos que foram executados noutro contexto, evitando sujeitar o cliente à repetição de procedimentos sem vantagens para o mesmo e que são uma perda de tempo e recursos financeiros para o SNS.
Por outro lado, esta partilha de informação entre diferentes instituições traz benefícios para os clientes, pois esta acelera todo o processo burocrático inerente à assistência em serviços de saúde. A informação passa de um profissional para outro sem que o cliente, que muitas vezes tem dificuldade em transmitir essa informação, tenha de o fazer. Para além disso, a informação transportada em mão pelo cliente pode ser reduzida e o cliente não precisa de levar consigo cartas e relatórios com informação de/para os seus cuidadores, nem tem necessidade de marcar uma consulta presencial, dar conhecimento à sua equipa de saúde sobre os últimos acontecimentos relativos à sua saúde uma vez que, em loco, o profissional de saúde pode ficar a saber aquilo que o seu cliente necessita para melhor dirigir os seus cuidados.
Neste sentido, os sistemas de informação para além de facilitarem a partilha de informações entre todos os profissionais e ampliarem o conhecimento sobre o cliente, permitem a tomada de decisão mais assertiva. Por outro lado, promovem a individualização do atendimento e levam à efetividade, eficiência, eficácia e resolubilidade ao cuidado (Lima et al., 2011 cit Rodriguez et al., p.116)
Um dos grandes desafios nesta área é pois, conseguir que os sistemas de informação permitam partilhar e comunicar dados entre diferentes unidades funcionais, de forma, a que, esse fluxo de dados mantenha o significado que esses dados veiculam, através de uma linguagem e protocolos comuns (Sousa, 2012). O mesmo autor refere que esse aspeto vem, de certa forma afirmar a necessidade da partilha e uso de toda a informação produzida pelos profissionais de enfermagem, assegurando a sua compreensão, quer pelos sistemas de informação utilizados, quer pelos seus utilizadores.
Importa assim, salientar a existência de dois tipos de interoperabilidade: a interoperabilidade técnica e a interoperabilidade semântica. Sousa (2012) alerta para o facto de que para os cuidados de enfermagem, se torna tão importante a interoperabilidade técnica como a interoperabilidade semântica. A primeira refere-se à capacidade de diferentes sistemas trocarem informação, o que envolve o acordo entre protocolos de comunicação, e a segunda radica no domínio dos conceitos, ou seja, diz respeito à compreensão da informação pelos utilizadores, mantendo o objetivo clínico, o contexto e o significado da informação. O mesmo autor afirma que, apesar de a literatura evidenciar a importância da interoperabilidade técnica, para manter os dados interoperáveis, é na interoperabilidade semântica, que reside o grande desafio para os Sistemas de Informação em Enfermagem.
Foi numa tentativa de superar esta barreira que a entidade reguladora da profissão de enfermagem adotou a CIPE, como standard internacional de terminologia de enfermagem e que, atualmente, se encontra em uso na maioria das instituições de saúde do nosso país.
Contudo, a terminologia em enfermagem é apenas um bloco semântico, o que por si só não assegura a interoperabilidade semântica. As constantes atualizações da CIPE e a presença de outras terminologias de enfermagem conduzem à necessidade de formalizar conhecimento e representá-lo através de arquétipos.
Em termos gerais, os arquétipos ao permitirem a definição do máximo conjunto de dados de um determinado conceito clinico ou seja, as várias representações possíveis dos enunciados (nas diversas terminologias e versões) que um determinado conceito clínico pode apresentar, garantem a universalidade na sua utilização (Sousa, 2012). Desta forma, parece evidente que um sistema de informação assente em arquétipos consegue manter a integridade semântica dos dados partilhados, além de permitir a comparabilidade dos dados entre diferentes sistemas de informação, trazendo ganhos em saúde inquestionáveis.
Existem, por todo o país, diferentes sistemas de informação que não permitem a transferência de dados de uns para os outros. Mesmo dentro das instituições do SNS e apesar de existir já uma percentagem considerável de serviços com o mesmo sistema (Sclínico), a elaboração dos registos não se encontra padronizada, tornando difícil aceder a informações de diferentes instituições. Mesmo dentro da mesma instituição existe informação relativa ao cliente dispersa em diversos programas informáticos, tornando deste modo o acesso mais demorado e mais indutor de não conformidades (Sclínico, Sinus, Alert,…).
A nossa experiência profissional diz-nos que, apesar dos grandes desenvolvimentos na área dos sistemas de informação em saúde, nomeadamente com a criação da PDS, na prática, os profissionais ainda estão longe de ter acesso em tempo real a muita da informação gerada noutra instituição sobre os seus clientes. Tal facto deve-se à não existência de uma equivalência semântica entre diferentes sistemas de informação/ instituições, impedindo que a informação flua de forma harmoniosa entre os profissionais, trazendo isso uma série de gastos e perda de qualidade nos cuidados prestados. Numa vertente económica, esta dificuldade na partilha de informação não permite a avaliação, monitorização e comparação de serviços e produtos efetuados nas diversas unidades, uma vez que não é possível comparar aquilo que é de diferente interpretação.
Também Silva (2006) mostra a sua preocupação com esta questão salientando a importância da adoção de uma linguagem comum aos diferentes aplicativos informáticos de documentação de enfermagem. Assim, “cada instituição será uma ilha de informação, com as consequências que daí advêm”. (Silva, 2006 p.310).
Por esse motivo, um dos desafios na forma de documentação clínica no âmbito das instituições do SNS será conseguir uma normalização, a nível nacional, relativamente ao formato mínimo dos registos clínicos, de forma a melhorar e acelerar a sua transferibilidade, pelas inúmeras vantagens e indo ao encontro da literatura em relação a esta temática.
O Ministério da saúde (2013), ciente da importância da partilha de informação entre as diferentes instituições, no Programa do XIX Governo prevê a promoção da melhoria dos registos eletrónicos de dados de saúde e a sua partilha a nível nacional, considerando esta partilha como instrumento fundamental para a melhoria dos cuidados prestados à população, e uma ferramenta indispensável à eficácia e eficiência dum sistema de saúde moderno (Ministério da Saúde, 2013).
Outra das dificuldades de uso da informação clínica entre diferentes instituições do SNS, referida no Despacho nº 2784/ 2013 é a não disponibilização de toda a informação clínica relevante através da Plataforma de Dados de Saúde, devendo esta ser desenvolvida de forma a potenciar a sua utilização. Por esses motivos, é fundamental garantir o aumento da qualidade e quantidade da informação relativa aos registos clínicos, disponíveis em formato eletrónico no SNS, de forma estruturada e normalizada.
De acordo com este pensamento Braga et al (2011), (cit. Benito e Liheski (2009) p.116) referem a necessidade constante da actualização dos profissionais de saúde, uma vez que, quanto mais conscientes, mais capazes se tornam de mostrar a realidade, simplificando o processo e alcançando a realização do processo de trabalho. Nesta conjuntura destaca-se a formação permanente direcionada para a práticas institucionalizadas, que aborde os problemas de saúde e objective a transformação das práticas técnicas de sociai, devendo o processo educativo ser um processo dinâmico e trazer avanços sociais.
No decreto de lei nº 36 de 20 de fevereiro de 2013, encontram-se definidos os dados que devem estar contemplados nas notas de alta médica e de enfermagem, bem como nas notas de transferência das unidades de cuidados intensivos, devendo estas estar em condições de ser acedidas, em formato digital,pelos profissionais de saúde, através da PDS. A nível dos hospitais, as administrações devem diligenciar no sentido de que, os resultados dos Meios complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT), das análises laboratoriais, dos relatórios de imagiologia e imagens de traçado eletrocardiográfico, estejam em condições de serem acedidos, também através da PDS. No que diz respeito aos cuidados de saúde primários, também os conselhos clínicos dos Agrupamentos do Centros de Saúde (ACES), devem garantir que a informação clínica é registada, exclusivamente, em suporte eletrónico, e que o resumo clínico único do utente, quando disponível na PDS, é atualizado em todos os clientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sistemas de informação em Saúde apesar de ainda despoletarem alguma renitência junto de alguns profissionais de saúde são cada vez mais uma ferramenta fundamental a vários níveis. Note-se que segundo Sousa, et. al. (2005), os SIE têm trazido benefícios a nível da qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos, ao nível do desempenho dos profissionais de saúde, ao nível da eficácia de gestão de recursos e ao nível da qualidade da informação necessária ao suporte da correta avaliação dos serviços prestados.
Numa altura em que a gestão de recursos e da qualidade é uma prioridade para qualquer instituição de saúde, a gestão da informação é fundamental, pelo que há a necessidade de refletir e desenvolver os SIE para que os dados possam ser alvo de rapidez de acesso, facilidade de registo, comparáveis, monitorizáveis, para que a eficácia, eficiência, acessibilidade, assertividade, segurança e equidade, sejam uma constante na prestação dos cuidados de enfermagem, tornando cada vez mais visível uma profissão que por si, já reflecte na comunidade nas famílias e nos clientes enormes ganhos em saúde.
Todavia ainda existe um longo caminho a percorrer nesta área, na medida em que o desenvolvimento dos SIE gera a cada dia novas oportunidades, mas também novos desafios. Uma das temáticas que assume claro destaque é a interoperabilidade entre sistemas. A existência de múltiplos sistemas de informação em todo o país representa um claro obstáculo ao fluxo de informação entre as diversas instituições prestadoras de cuidados, quando os mesmos na sua conceção não respeitaram os requisitos mínimos de dados e os arquétipos que permitem que os mesmos possam ser partilhados/agregados e comparados pelos diversos sistemas de informação presentes na saúde em particular no SNS nas diversas instituições, mas também na saúde privada e nas misericórdias. Uma vez que estes requisitos não estavam presentes no início da formação destes mesmos programas, torna-se necessário, refletir e reunir estratégias que permitam que estes mesmos dados possam ser partilhados sem perda da informação que neles consta, através da abertura e compreensão dos diferentes operadores destes SI.
Outra sugestão de melhoria destes sistemas poderiam ser a existência de links de acesso a portais de informação, através dos quais fosse possível consultar os mais recentes artigos de evidência científica, bem como as normas e diretivas de DGS, refletindo as melhores práticas de saúde, com benefícios mútuos para quem executa, mas também para quem é alvo dos cuidados.
Será importante que governo e escolas se envolvam em projetos no sentido de continuar a desenvolver os sistemas de informação em saúde, por forma a melhorá-los cada vez mais, com os consequentes benefícios para os clientes, profissionais, instituições e país.
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